O objetivo da entrevista coletiva concedida por Luiz Inácio Lula da Silva nesta sexta-feira em Brasília era falar sobre política, composição do governo e questões orçamentárias.

Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fala com a imprensa no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) em Brasília Cristiano Mariz/O Globo

Nos bastidores, seus aliados viam outra utilidade para o evento: ajudar a desacreditar de uma vez por todas os boatos que circulam nas redes bolsonaristas de que o petista teria morrido e foi substituído por um sósia, um robô ou coisa que o valha.

Não que os lulistas tenham qualquer temor de que o boato prejudique a legitimidade ou a garantia de posse do futuro governo. Mas, como a teoria faz parte da narrativa golpista dos bolsonaristas que se recusam a aceitar o resultado da eleição, consideram válida toda forma de enfraquecer os rumores e a disseminação das fake news.

“Mais importante do que as informações que ele passou foi o fato de ele aparecer e acabar com essa boataria”, explicou à equipe da coluna um integrante da equipe de transição.

Na entrevista, Lula não foi questionado sobre os boatos e não os mencionou, mas respondeu a uma pergunta sobre seu estado de saúde. “Os médicos pediram para eu ficar mais tempo sem falar, mas por mais que eu faça esforço eu não consigo ficar sem falar”, disse ele, que operou uma leucoplasia no mês passado.

A tese mirabolante começou a surgir nas redes logo depois da eleição e se disseminou ainda mais depois da internação de Lula para o tratamento de uma lesão na garganta, na volta da viagem ao Egito para participar da COP27.

O fato de a agenda de Lula ter se concentrado em encontros internos ajudou a fomentar a boataria, que tem um rol bastante criativo de versões. Entre elas está a de que Lula faleceu em decorrência de um AVC na Bahia, logo após o segundo turno. Outros sustentam que o petista morreu antes mesmo da conclusão do pleito.

Por essa teoria, teria sido necessário substituir Lula por um sósia para garantir a posse e depois repassar o poder ao vice, Geraldo Alckmin.

“(Com) O sósia sendo diplomado, eles comunicam a morte do ladrão e o vice fica no poder”, escreveu um bolsonarista em um grupo de Telegram monitorado pela equipe do blog. “O presidente fica se o Lula estiver morto antes de ser diplomado”, respondeu outro militante.

As “evidências” apontadas para sustentar tal façanha beiram o delírio. Em diversos grupos, apoiadores de Bolsonaro reproduzem fotos de Lula e apontam elementos visuais que entregariam o impostor, como alegados indícios de uma máscara ultrarrealista até a suposta mão esquerda com dez dedos – Lula perdeu o dedo mindinho do membro quando era operário no ABC Paulista.

Os supostos indícios usados nas imagens manipuladas são na verdade detalhes de fotos de Lula amplificadas que mostram flacidez da pele do rosto e do pescoço provocada pela idade – Lula tem 77 anos – e até mesmo o reflexo de sua mão direita por um espelho.

Nem todos os bolsonaristas embarcam na história, contudo.

“Lula não tá morto e nem tem os cinco dedos. Isso é mais uma mentira que esquerdista fica forçando na gente com truque simples, ângulo, edição, para ficarmos igual idiotas perdendo tempo com coisa que não importa”, escreveu um apoiador do presidente derrotado em um grupo chamado “O Evangelho de Cristo”.